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Cuidador




Acredito que quem não vive, na primeira pessoa, o dia a dia de um pai ou de um cuidador de uma criança com neurodiversidade ou deficiência invisível, não consiga de todo imaginar o que é ou como é.

Cada caso é um caso, cada família é única, as crianças são todas diferentes, bem como as suas rotinas e necessidades, e as ajudas que cada casa tem são também distintas.

Os nossos dias, os dias de um cuidador, podem ir do 8 ao 80, às vezes o ponteiro sobe e desce ao longo destas 24 ou 48h, outras vezes mantém-se estagnado mais acima ou mais abaixo.

Há momentos que, sem conseguir encontrar o(s) motivo(s), são particularmente difíceis e são esses os mais desafiantes, como podem imaginar.

E é nesses dias que quando fico sozinha, sinto uma maior necessidade de introspecção. Faço um balanço do dia, o que correu bem e o que correu mal; tento imaginar como será o amanhã; como posso tentar melhorar ou estabilizar o dia que se avizinha; penso se este ou aquele comportamento estarão presentes na vida do meu filho quando ele crescer; penso, na verdade em tudo um pouco. Às vezes, felizmente poucas, nestes momentos há um sentimento que se apodera de mim, o da solidão. Apesar de estar rodeada de pessoas sinto-me, principalmente nestes dias menos positivos, profundamente só. O cansaço mais duro, não é na minha opinião o físico mas sim o mental, o psicológico.

Todos temos os nossos problemas, as nossas questões, as nossas vidas e acredito que nenhuma situação é pior ou melhor que a outra, acredito que os teus problemas são tão válidos como os meus e vice versa, porque todos eles são reais, e só quem os vivência sabe o que eles significam ou como nos fazem sentir. Mas as vezes sinto que muitos dos que nos rodeiam não fazem a menor ideia do que acontece aqui, daquilo que sentimos e vivenciamos.

Muitos acham que é um privilégio estar em casa e não ter “trabalho” a não ser cuidar dos filhos. Este é um assunto extremamente delicado e muitas vezes mal interpretado. No meu caso, que deixei a minha carreira profissional, sou eternamente grata a quem tanto se esforça por tornar possível que eu esteja em casa com eles. A evolução do meu filho, em muito se deve a quem garante que nada nos falta, a quem garante que ele consegue ter acesso ao apoio que precisa, a ter alguém dedicado a si a tempo inteiro e que torna possível que essa pessoa, seja eu.

Sabem, eu não sou só mãe, eu não tenho o dia livre para fazer tudo o que me apetece, para me sentar a ler ou a ver um filme, eu sou mãe de duas crianças, uma delas com neurodiversidade e sou cuidadora informal. Isso significa que eu tenho uma missão que dura 24 horas por dia, 7 dias por semana, sem folgas, não é um trabalho rotineiro e não existem dias iguais. É um trabalho duro, em que quase vivemos para o outro, mas apesar de todo o cansaço, é, acreditem ou não, profundamente gratificante. Mas acho que muitos dos que nos rodeiam, às vezes os mais próximos, não sabem ou fingem não saber, como é o dia-a-dia de um cuidador.

Às vezes e acho que esta é a primeira vez que o vou expressar, sinto falta que me perguntem como estou, sinto falta daquele silêncio com o outro que consegue dizer mais do que mil frases alguma vez conseguiriam. Também vos acontece? Há um enorme risco de nos esquecermos de nós próprios quando estamos totalmente dedicados aos outros. Um risco grande de pensar que não podemos falhar, que temos que ter sempre tudo controlado, que só nós sabemos o que é bom ou mau para a criança, de sentir que não precisamos de ajuda, que conseguimos sozinhos e que nunca podemos baixar a guarda, nunca podemos falhar. Mas não é verdade, sozinhos não conseguimos, precisamos de quem nos é próximo, precisamos de equipas de terapeutas, precisamos dos educadores, precisamos de pensar e tratar de nós e também precisamos de colo.

Estes momentos que temos vivido são de alta reflexão e introspecção, o que por vezes nos pode deixar assoberbados e facilmente podemos também cair no erro de nos tornarmos mais egoístas, mais centrados em nós próprios. Às vezes, para melhor processar todas estas emoções, pensamentos e posturas, precisamos de parar, de observar o que nos rodeia. Depois absorvemos o que está à nossa volta, o de melhor e o de pior e no fim quando voltamos a entrar no nosso mundo, na nossa mente, podemos fazer uma interpretação de tudo de forma mais clara e arrumar cada coisa, cada pensamento, cada acção, cada individuo na sua própria gaveta. Naquele local que achamos ser o mais indicado, para que quando concluído mais um dia nos seja possível respirar melhor e ter espaço e disponibilidade para o dia que se segue, para ter abertura para cuidar de nós próprios também.

Experimentemos todos permitir-nos a parar e a fazer tudo isto, para que o amanhã seja mais fácil, mais calmo, mais solidário, para mim, para ti e para todos. Porque no fim, ninguém (con)segue sozinho.


Rita

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