Existem fases de desenvolvimento em que este tipo de comportamento é mais comum. Ouvimos muitas vezes que crianças mais pequenas morderam o amigo, bateram ou empurraram. Mas o que acontece no caso de uma sobrecarga? Quando uma criança fica desregulada o seu cérebro entra num modo de sobrevivência. Nestes momentos existem alterações a nível cerebral, como por exemplo na irrigação de sangue para zonas do cérebro responsáveis pelo comportamento e memória, podendo assim comprometer as mesmas.
Em que se traduz esse comprometimento?
Numa dificuldade de pensar ou reagir de forma lógica ou mesmo de conseguir utilizar a sua memória para recorrer a estratégias de regulação, já previamente adquiridas. O aumento de competências de regulação, do trabalho de integração sensorial e da parte emocional da criança, ajudam a que a mesma esteja munida de mais ferramentas para se conseguir regular e/ou reduzir assim, os momentos de maior desregulação.
Interocepção
Uma criança que tenha problemas de interocepção, pode ter grandes dificuldades em compreender/decifrar os sinais que o corpo lhe dá. Esta dificuldade pode levar a uma desregulação e a comportamentos agressivos (como bater, empurrar ou morder), no seguimento de uma atividade física, ou até mesmo depois de estar a brincar no recreio. É possível que após situações que exijam da criança um maior esforço físico (correr, saltar, jogar à bola) a mesma, por dificuldade em lidar com as alterações interoceptivas (taquicardia, por exemplo) tenha dificuldade em se manter regulada e que acabe por ter inclusive alguns comportamentos mais agressivos.
Propriocepção
Uma criança que tenha alterações no sistema proprioceptivo, face a situações que envolvam muita gente, podem apresentar ansiedade ou medo. A sensação de "invasão" do seu espaço pode levar a comportamentos de desorganização, que por sua vez se podem traduzir em tentativas de fuga, que podem ser exteriorizadas através de empurrões, por exemplo, para conseguir retirar as pessoas do seu próprio espaço. A dificuldade na propriocepção pode não permitir à criança perceber que se se afastar, consegue sentir-se menos "invadido". É importante que estas noções sejam trabalhadas para minimizar as sensações negativas na criança e por sua vez minimizar, mais uma vez, a desregulação.
Audição e Visão
Ao longo do dia as crianças vão passando por vários momentos repletos de estímulos. Já pensou na quantidade de estímulos que existe num refeitório? Ou nos momentos de transição (recreio-sala, escola-casa, preparação para sair de casa de manhã ou para deitar)? Este acumular de estímulos pode deixar a criança em sobrecarga, que pode, eventualmente, levar a uma desregulação e que pode refletir-se depois em comportamentos mais agressivos. Utilizar headphones para minimizar os ruídos presentes em situações mais confusas, explicar à criança tudo o que vai acontecer antes de iniciar uma transição, tentando assim dar-lhe previsibilidade para que a criança se sinta segura, são algumas opções que podem ajudar.
O que fazer?
Preparar/antever os momentos de transição para dar uma maior segurança e preparação à criança.
Dar algum brinquedo (fidget toy, por exemplo) ou alguma função que distraia a criança durante os momentos de transição.
Mediante situações que sabemos que a criança pode desregular, promover algumas pausas com alguma atividade regulatória para ajudar a criança a não desorganizar. Por exemplo se a criança desregula se estiver muito tempo sentada em atividade, pode propor uma pausa para uma corrida rápida no exterior.
Em momentos de desregulação, que podem levar a comportamentos de agressividade, observe e tente perceber qual foi o trigger da situação, para tentar evitar que a criança entre nessa espiral numa próxima vez. Antecipar esse momento e tentar resguardar a criança o mais possível.
Trabalhar a capacidade de regulação ajudando a criança a fazer respirações, ajudando-a a perceber o que a regula e consequentemente a conseguir recorrer a essa mesma técnica ou ação em momentos de desregulação. Fazer com que a mesma sinta que isso lhe dará segurança, como por exemplo o uso de headphones (noise cancelling) em crianças com hiperreatividade auditiva, fazê-las sentir que o seu uso é seguro.
Dar pistas visuais à criança, visto que muitas delas têm maior capacidade de compreensão através da parte visual. Por exemplo: Dizer a uma criança "não pises a horta" e ela continua a pisar, mas se colocar um sinal com uma imagem representativa da ação, a mesma vai deixar de pisar aquela zona.
O trabalho feito durante as intervenções deve visar as necessidades e dificuldades da criança, dando-lhe, também, ferramentas regulatórias quando necessário. Peça ajuda à equipa que acompanha a criança, para que lhe sejam dadas dicas para ajudar e/ou prevenir estes momentos.
Em caso de desregulação e/ou comportamentos mais agressivos, tente levar a criança para uma zona tranquila, onde a mesma se sinta segura. Gritar, repreender, bater, castigar a criança não vai melhorar a situação, muito pelo contrário. Esta é a única forma que a criança tem, no momento, de expressar que precisa de ajuda e que está em sobrecarga. O seu cérebro está a emitir sinais de alerta máximo que se traduzem, depois, em comportamentos de fuga/luta. Não acontece porque a criança é má ou mal educada. Se para si, é difícil gerir estas situações peça ajuda a um profissional de saúde e/ou à equipa que acompanha a criança. A criança precisa de ajuda para se voltar a sentir regulada e essa sensação só surgirá se quem estiver com ela promover a calma e a tranquilidade, permitindo que o seu cérebro perceba que está seguro.
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