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Atualizado: 28 de mar. de 2022


São muitas as pessoas que me pedem para falar sobre como tudo começou.

“O que viu de estranho?”, “Quais foram os primeiros sinais?”, “Como sabia a que médico ir?”, “E as escolas?”. Acho que muitas delas querem saber porque elas próprias precisam dessas respostas, precisam de encontrar alguém que viva a mesma situação e assim, eventualmente, deixarem de sentir que estão sozinhas. Assim irei tentar dividir por várias publicações tudo o que me perguntam, para que seja mais organizado.


O meu filho foi sinalizado pela primeira vez aos 15 meses. Numa consulta de rotina do centro de saúde, foi-lhe feita uma pequena avaliação de desenvolvimento, um inquérito de “Sim e Não”. Confesso que muitas das perguntas eu nem sabia o que responder, certo é que no final do questionário a pontuação era sinónimo de alerta.

-“Ele está hipo estimulado” .

- “Impossível! Ele está o dia todo comigo, estou sempre a fazer coisas com ele”.

Saí daquela consulta perdida, revoltada, confusa… Ao escrever isto consigo sentir exatamente o mesmo que nesse dia.

Falámos com o nosso pediatra, nesse mesmo dia, que nos disse para aguardarmos até aos 24 meses, para termos calma e que nessa altura veríamos o que fazer.


Atraso de desenvolvimento e autismo foram palavras que ecoaram na minha cabeça durante meses, acho que o mais difícil foi a espera, sabem? A sensação de impotência. Porque é que eu tenho que esperar? Porque é que não posso fazer já alguma coisa se, claramente, alguma coisa não está a acontecer como deveria? Comecei a ler sobre autismo, processamento sensorial e a identificar uma série de alertas no desenvolvimento do meu filho.


O V entrou na escola com 18 meses e muitos eram já os sinais que me despertavam a atenção. Não apontava, não falava nem emitia sons, detestava lavar a cabeça, a cara ou os dentes, não gostava de sentir alguns tecidos no corpo só aceitando o algodão, não gostava que lhe tocassem, não gostava de usar meias nem sapatos, só comia comida passada, não comia sozinho, dormia muito mal, corria em vez de andar, se estivéssemos num parque ele fugia, não fazia contacto visual, fazia “birras” muito intensas, tinha autoagressão, odiava transições de locais/situações e poderia continuar por muito mais tempo a escrever porque teria mais coisas a apontar…


“Mas ele já não tinha esses sinais antes?” Sim, tinha.

Mas eu não sabia que o "problema" não é uma criança que não dorme ou não come bem, a questão começa quando existem uma série de relutâncias ou alterações de comportamento, um leque de sinais de alerta.

E eu não sabia o que procurar, percebem? E sei que nisso não estive, nem estou, sozinha. Muitos pais podem até achar que algo se passa, mas as suas preocupações são muitas vezes desvalorizadas.

Confesso que a culpa foi um sentimento que me consumiu durante muito tempo, afinal era comigo que ele estava, não estava na escola, não é? “Sou eu a culpada”, foi muito difícil conseguir largar esta nuvem que durante muitos meses me acompanhou.


Aos 24 meses o pediatra encaminhou-o para a pedopsiquiatria.

O nosso pediatra é uma pessoa muito especial, muitos acham que ele é assertivo ou pouco simpático, pois bem, nós achamos o oposto. Nesse dia senti que ele passou a ver o meu filho com outros olhos, tem uma profunda curiosidade, dedicação, cuidado, disponibilidade, que confesso que não lhe conhecia assim.

Da pedopsiquiatria passamos para as terapias, primeiro só ocupacional e depois da fala, passamos pela pediatria de desenvolvimento, pela neuropediatria, pela genética, pela psicologia. Até chegarmos onde estamos hoje, até termos uma equipa formada foi um longo caminho, mas também sei que esta estrada ainda não terminou.


O primeiro indício de diagnóstico surgiu em 2019, autismo nível 2. Depois disso já ouvimos mais coisas como, crises de ausência, dispraxia, atraso global de desenvolvimento, perturbação do processamento sensorial, PHDA e mais algumas coisas que a partir de certa altura, confesso, que deixam de ter importância para mim. São só palavras e aquilo que me preocupa mais é ver a sua evolução e não o seu rótulo.


Acho que a verdadeira “luta” começa depois disto, depois do diagnóstico, quando vem a luta pela inclusão, e essa começa ainda dentro da nossa casa, da nossa família, dos nossos amigos. (falarei sobre isso noutra publicação).


Muitas pessoas perguntam como é que foi a gestão desta informação, como é que conseguimos avançar, como já escrevi num post anterior, não tive que "conseguir" avançar, também fiz luto do meu filho, porque este é o meu filho, o que nasceu de mim e em momento algum desejaria ter outro.

É fácil? Não, mas alguma coisa na vida é? E se é, por norma é tão aborrecida.

Falam sobre o "fardo que vocês vivem" ou pedem "desculpa por estar a falar dos meus problemas quando tu já tens tantos". Não é fardo e eu não tenho mais problemas que tu. Não digam isso a ninguém, e não estou a escrever isto porque se referem ao meu filho autista, digo mesmo no geral, não digam isso a ninguém. Cada ser é individual e não devemos permitir que se generalize a vida de alguém, que se trate essa vida como uma minoria ou uma maioria, mas sim com igualdade e respeito.


Hoje tenho um filho muito diferente do que tinha há 3 anos atrás.

Tenho um rapaz que cresceu, que olha nos olhos mesmo que por pouco tempo, que consegue fazer uma conversa mediante orientação do adulto, que brinca com outras crianças, que abraça, que beija, que diz que gosta e que não quer, que aponta para as coisas bonitas que vê, que pede ajuda, que diz se está triste ou feliz.

Anda em bicos dos pés? Sim.

Sabe dizer se tem frio ou calor, se tem fome ou sede? Talvez não.

Sabe controlar a sua impulsividade? Não, não sabe.

Mas sabem, eu acho que precisamos de deixar de estar tão presos às coisas negativas da vida, não as devemos ignorar, mas sim pensar de que forma podemos ajudar a que tudo fico mais brando e calmo. Eventualmente as coisas evoluem, com o tempo e dedicação, não é a nossa tristeza ou a nossa frustração que vai melhorar tudo.

Como no fim de um dia mau em que muitas vezes um abraço nos traz a leveza que precisávamos e nem sabíamos, conhecem essa sensação? Acho que é assim que devemos ver a vida e os nossos dias. Nunca nos devemos deitar, principalmente num dia negativo em que não estivemos tão felizes, sem dizer: Fizeste um bom trabalho.


Eu acredito que as coisas têm uma razão de ser e esta frase não tem qualquer cariz religioso. Acho que mesmo as coisas más ou menos positivas trazem também algo que nos ensina.

Sei que digo isto muitas vezes, mas sinto necessidade de o repetir constantemente:

O positivismo tem que começar em nós, e eu gosto de pensar que no fim vai estar sempre alguém ou alguma coisa para me (nos) aconchegar no seu colo e dizer: Amanhã será melhor, amanhã continuamos. Não foi fácil, pois não? Amanhã farás melhor, descansa agora.


Rita



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